5 filmes novos que acabaram de chegar à Netflix e vão salvar seu final de semana
A partir do momento em que vê a luz do mundo, o homem começa a ser esquecido. Quanto antes cada um tiver claro para si que está só no mundo, ainda que possa contar com uma ou outra ajuda de quando em quando, melhor. A solidão não é a vontade de estar só; há instantes muito particulares na vida do ser humano que é de fato necessário se retirar do mundo, ainda que metaforicamente, mesmo que por pouco tempo. É preciso esquecer para se lembrar do que importa de verdade; é forçoso mergulhar no mais fundo de nós a fim de saber para onde devemos ir. Processo que não raro se mostra doloroso, deixar a ribalta, reconhecer-se pequeno, insignificante, vil, vulnerável como qualquer outra pessoa, é um exercício de autopreservação, como se, em nos livrando de um órgão que já não desempenha as funções para que fora destinado, conseguimos finalmente reoxigenar o sangue e permitir que a vida brote outra vez. O pensamento filosoficamente ordenado auxilia o homem a entender que ele é o único responsável pelas escolhas que faz, pelas estradas que decide percorrer — que por pedregosa que seja, pode levar a alguma parte em que a vida vá se lhe revelar em sua esfera mais misteriosa, de onde ele poderá tirar muitas das lições que lhe faltam para seguir em harmonia. Conforme os anos se sucedem, mais vulto toma a ideia de que tudo converge para um irremediável fim, já que o plano físico, por mais vasto que pareça, é limitado e que o que faz mesmo a diferença é, no intervalo entre a origem e o desfecho da jornada sobre a Terra, encontrar seu lugar no mundo — tendo sempre claro que esse lugar não é um feudo, hereditário, imutável, sem fim, uma vez que a própria vida não é nenhuma dessas coisas, e tampouco é sempre pacífica, idílica, plácida —, na verdade não o é quase nunca, e jamais deixa de estar sujeita aos seus muitos desvios (o que só torna ainda mais irrefutável a nossa pequenez). O alemão Michael Schumacher foi, sem dúvida, o melhor piloto de Fórmula 1 de seu tempo — até porque seu concorrente imediato, o brasileiro Ayrton Senna da Silva (1960-1994), morrera no auge da carreira, aos 34 anos, precisamente no exercício de sua profissão; tivesse a vida seguido como ela deveria ser, e como ele merecia, talvez a história fosse outra. Nove anos mais novo, Schumacher tinha Senna como espelho, inspiração que, amalgamada a seu talento, o levou a conquistar o campeonato mundial por sete vezes, feito superado pelo inglês Lewis Hamilton apenas em 2020. Boa parte da história do atleta — aposentado em 2006, mas logo de volta às pistas, se retirando definitivamente em 2012, e que, no ano seguinte, vítima de um acidente de esqui, ficaria paraplégico — é contada no documentário “Schumacher” (2021), dos diretores germânicos Hanns-Bruno Kammerstöns, Michael Wech e Vanessa Nöcker. Um pai também é alijado do convívio direto com a mulher e os filhos, não por um enfraquecimento da saúde, mas pela morte ela mesma — sob circunstâncias criminosas — em “A Ausência que Seremos” (2020), do espanhol Fernando Trueba. “Schumacher”, “A Ausência que Seremos” e mais três filmaços novinhos — os cinco lançados entre 2021 e 2020, todos na Netflix —, nos convidam a pensar sobre a vida e as surpresas que ela nos prepara, sem baixo astral.
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix
Em 2012, os distritos do norte de Marseille, na França, apresentam índices de criminalidade fora do controle, os maiores do país. Completamente entediados, três policiais, os BAC Nord, desejam juntar o útil ao agradável ao sair da rotina e, de lambuja, erradicar o tráfico de entorpecentes, atávico na vizinhança. Sem muita ideia de onde estão se metendo — e nada preocupados com perfumarias como direitos humanos e ética —, esses mosqueteiros pós-modernos se jactam de sua natureza justiceira, mas não contavam que o feitiço poderia virar contra eles quando uma informante entra na brincadeira.
Lilly e Jack acabam de passar pelo maior trauma na vida de um casal: a perda de um filho. O baque se revela muito mais intenso para Jack que, aterrado pela tristeza, passa a abusar de psicotrópicos e tem de se submeter a uma reabilitação. Lilly continua em casa, lidando sozinha com a dupla ausência, enquanto planta um jardim que será cuidado pelos dois como uma forma de terapia de casal. Lilly pensava que, a partir de então, tudo seriam flores, mas se enganara: apesar de estar no seu próprio terreno, invadira os domínios de um vizinho nada amistoso, um pássaro que começa a intimidá-la com seus rasantes, a fim de que saia dali. Aconselhada por uma funcionária da clínica onde o marido está internado, Lilly vai ao encontro de um psiquiatra que mudara de ramo e hoje dá expediente como veterinário, esperando que sua visão de mundo, tão particular e tão sensível — ainda que meio crua —, a ajude a matar dois coelhos com um só golpe.
Acostumado aos holofotes, Michael Schumacher, heptacampeão mundial de Fórmula 1, entendia muito bem o jogo em que se prestava como uma das peças mais valiosas. Schumacher, profissional até o osso, atendia todos os repórteres, não se furtava a uma ou outra provocação, a uma ou muitas grosserias, mas se mantinha impávido — e o sangue frio tão característico de sua personalidade decerto contribuiu para que chegasse tão longe numa das mais competitivas e perigosas carreiras do esporte até então. Reservado na vida pessoal, Schumi reconhecia a grandeza de colegas como o brasileiro Ayrton Senna da Silva (1960-1994), nove anos mais velho e fonte de inspiração. Schumacher e Senna eram rivais como raramente se veem hoje: titãs nas pistas, genuínos cavalheiros fora delas. Com depoimentos de personagens intrinsecamente ligados à Fórmula 1, casos do também ex-piloto londrino Damon Hill e do empresário Bernie Ecclestone, mandachuva da categoria até 2017, “Schumacher” prioriza o mito, mas não deixa de reverenciar o homem. Michael Schumacher deixou o automobilismo em 2012 e, um ano depois, sofreu um acidente durante um passeio de esqui pelos Alpes da França. Até hoje, o ex-atleta se submete a tratamento para reversão das sequelas.
Baseado no livro de Héctor Abad Faciolince que lhe empresta o nome, “A Ausência que Seremos” conta a história do médico Héctor Abad Gómez (1921-1987) pai de Faciolince, que se destaca também pela defesa dos direitos humanos na Colômbia durante a ditadura do general Gustavo Rojas Pinilla (1900-1975). A partir da compreensão do menino Héctor, são apresentados detalhes sobre sua relação com o pai, até a narrativa desembocar no assassinato de Abad Gómez por milicianos envolvidos com o tráfico de drogas. Héctor Abad Faciolince se tornou um dos mais respeitados escritores da América Latina; os assassinos de seu pai nunca foram punidos.
No fim da década de 1990, Joanna, recém-formada em literatura, é contratada por uma agência literária, ainda que conheça seu talento para escrever, não para servir de babá para escritores. Enquanto esse seu potencial não se revela para o mundo, ela se vale de sua habilidade com as palavras numa de suas atribuições profissionais: redigir cartas para responder aos fãs em nome de Jerome David Salinger (1919-2010), o maior agenciado da empresa — e também conhecido por “O Apanhador no Campo de Centeio” (1951), sua obra máxima. Esmerando-se mais do que o recomendável no exercício de sua função, Joanna se aproxima o quanto pode dessa personalidade meio obscura, aproveitando para saber o que realmente lhe falta para também virar uma literata de sucesso.
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